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e meio.

domingo, abril 14, 2002

Tava com saudades de postar um texto aqui! ^^

(Real)idade? - by BillySky

... e caiu do 12º andar de seu prédio. Não sobreviveu, (praticamente) lógico.
Eu poderia dizer várias outras coisas sobre o ocorrido, mas não é necessário. Ele, Gabriel, era uma pessoa muito alegre. Alegre mesmo, daqueles que você nunca viu a pessoa sem estar sorrindo. Tristeza era uma coisa que parecia inexistente na vida dele, pelo menos para o que ele deixava a entender. Sempre tinha uma piada nova, algo novo para contar, era sempre um ombro amigo. Difícil mesmo era entender o que tinha acontecido.
Eu gostaria de colocar que ele também não foi assim sempre. Foi de um tempo pra cá que ele mudou - e muito, diga-se de passagem. Para ser mais exato, a partir do dia em que ele perdeu o pai, há cerca de uns 3 anos. Na época, tinha uns 14 anos, no início de sua real adolescência... foi um choque grande. Mas, por todos os casos, acabou mudando o jeito introvertido, possessivo e mimado de ser para uma pessoa extrovertida, liberal e divertida. Era o palhaço da classe, e nesse caso ele não era apenas um bobo alegre como os outros palhaços de classe costumam ser - ele aprendeu o dom de fazer as colocações perfeitas nos melhores momentos. Ouvir a voz dele era um relief, pois sabiam que dali vinham algo legal.
Vale também colocar que, naquela última semana, ele estava levemente estranho. Estava alegre, mas em alguns momentos você notava o fato dele estar meio pensativo, olhando para o nada e pensando, meio preocupado, em algo. Se você chamasse a atenção dele de alguma forma, ele rapidamente virava para você, já com o sorriso aberto. O medo talvez era o de que perdêssemos aquilo que estimávamos em uma pessoa que era mais do que amiga nossa.
Os gostos dele eram coisas duvidáveis, - curtia bastante Heavy Metal, Punk, Ska e Skacore, torcia para o Juventus, não gostava de batata-frita e macarrão mas adorava jiló - mas eram mais motivos para ele ter com o que brincar. Ele, certamente, colocava o bem-estar de todos na frente do dele próprio, era alguém que se sentia feliz quando aqueles em volta também estavam. Caso não estavam, era o trabalho dele assim os fazerem. Aliás, ele era amigo de todos... parecia ser a pessoa com a convivência perfeita.
Mas aquilo aconteceu, e infelizmente o sonho parecia ter acabado. Aquela pessoa não estaria mais entre a gente. Ele costumava dizer que era uma pessoa que parecia não ter muito tempo para viver (parafraseando Shinji, no primeiro episódio de Evangelion), e que então fazia tudo pois aquele dia parecia ser o último - e assim o fez, até o (real) último. Tinha um computador, no qual costumava escrever muitos textos, - que ele evitava mostrar para os outros, por motivos desconhecidos - colecionava vários recortes de músicas e tinha um cachorro, o Einstein, que estimava muito. Tinha um relacionamento muito bom com sua família também. A pergunta não queria calar: por que ele tinha feito aquilo?
Ele foi enterrado no mesmo dia do ocorrido, e aquilo chocou tanto às pessoas que na segunda não teve aula. Muitas pessoas se recusaram a ir no enterro ou no velório porque juravam de pés juntos que aquilo era mentira, era algo inventado. Mas, comparações a parte, assim foi. Como queria, foi enterrado ao som de All My Best Friends Are Metalheads (aliás, depois disso nunca mais ninguém ousou falar do Less Than Jake, ou pelo menos não publicamente) e com a sua camisa do Doug, a qual gabava-se de possuir. Passou-se um certo tempo e todos ainda sentiam falta dele, quando a surpresa chegou : sua mãe havia mandado chamar a gente para ver algo no computador dele.
Chegando lá, a mãe dele anunciou que era vontade dele que o computador dele ficasse disponível por mais ou menos uma semana para quem quisesse aproveitar algo, que assim fizesse. Após esse prazo, que o computador fosse formatado e tudo relativo a ele fosse esquecido, pois não era dever de nenhum ser vivo sofrer por causa dele. Dizia ele também que havia passado pelo mundo apenas para mostrar a todos que a vida é curta e devemos aproveitá-la a cada instante, fato que acabou sendo comprovado pela sua própria história - que, comentários a parte, todos diziam ter sido muito boa. A mãe dele (curiosidade foi o fato de nunca a termos visto antes) falou que não entendia nada de PCs, mas que gostaria que nós dessemos uma olhada naquilo. Cada um deu uma olhada no pc em geral, mas ninguém ousou olhar muito - como se alguém estivesse observando e respeitando uma pseudoética. Todos foram embora e eu fiquei, acabei sendo o último a dar uma olhada no computador. Li alguns dos textos dele, e reparei que a maior parte destes eram depressivos - o que explica o motivo dele ter tanto receio de mostrá-los, não queria parecer hipócrita. Também havia escrito uma série de cartas, que posteriormente compreendi serem endereçadas à seu pai, o qual nunca teve a oportunidade de se despedir - aí então também entendi o porquê dele ter mudado tanto.
Eu resolvi dar um tempo no pc. Era muita coisa para pouco tempo. Resolvi ir andar um pouco, aliviar um pouco a mente... ainda não acreditava que estava ali, fazendo aquilo por causa de alguma coisa que dificilmente poderia acontecer e aconteceu. Fui até a sacada, e evitei ao máximo olhar para baixo, ver a ultima visão que Gabriel teria tido antes de cair. Acabei não conseguindo segurar, e olhei. Naquele instante, tudo parecia inexistente e nada podia me afetar. Olhar tudo de cima parecia tornar-nos extasiados, dopados por algo que aliviava-nos da dor e das preocupações do mundo. Parecia uma droga agindo no sistema nervoso, deixando-nos cada vez mais lentos até sermos totalmente paralizados e, então, deixar-se levar pelo ambiente. Quando dei por mim, estava perdido e reparei algo que eu, em princípio, não gostaria de encontrar - um possível motivo para suicídio.
A maior revelação ainda estava por vir. Encontrei, por fim, o diário dele. Tinha uma senha, mas resolvi tentar. Parecia anti-ético, mas eu sabia que aquilo estava ali por algum motivo. Ele, no fundo, não era uma pessoa de todo feliz e o fato de estar guardando isso para si era muito nobre, no entanto isso custava muito para o psicológico dele. Nada dele parecia não fazer sentido. Ali estava o motivo. A senha não seria algo muito difícil de descobrir (o nome de seu cachorro, Einstein), mas talvez se entender no meio das anotações fosse o mais importante. Algo muito extenso, que incluia um grande número de datas - todas repletas de informações de coisas novas que ele havia feito e, principalmente, com informações sobre bandas. Portanto, todos os dias começavam com: "Hoje eu descobri que...", seguido por informações que não acabavam mais.
O último dia que foi escrito, coincidência ou não, marcava a data na qual ele havia mudado de comportamento, aquela mudança na sua alegria constante. Ali, naquela página, estava escrita a sentença que ficaria marcada em minha mente até hoje :

"Hoje, eu, Gabriel, descobri o que é amor. Também descobri que foi hoje que minha vida começou a acabar."

12:56 AM.

 

 

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