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e meio.

quinta-feira, novembro 29, 2001

Viva La Revolucion! - by BillySky

'Enviando 15 mensagem(ns) via provedor'.
E era tudo isso que ele via, todo dia, na frente dele. A tela do computador já se cansava de, todo dia, mostrar janelas de mensagens enviadas. Seria uma prática sádia... caso essas mensagens fossem, algum dia, retornadas. Nunca ninguém respondia pra ele. Ele mandava email pra mãe, tia, irmã, cantor, webmaster, gente famosa e gente desconhecida. Milhões e milhões de palavras, centenas de frases, milhares de emails. Textos elaborados que ele nem se quer sabia se eram lidos do outro lado. Ele não entendia como a vida era cruel - havia passado 3 meses em um curso de Internet, ensino interativo e o caramba. Tava ficando careca, careca mesmo, aos 25 anos sem possuir nenhuma doença. Era praga, era maldição.

Naquela época, quem o conhecia falava que eram os seus emails que causavam lentidão na net pois, ele, elaborando cada vez mais os seus textos para uma maior certeza de resposta, acabou criando textos gigantes. Cerca de 5 emails dele seriam o bastante para criar e explicar uma tese para qualquer matéria da faculdade - qualquer. Talvez os seus textos, que antes eram curtos e incômodos de ler, agora eram compridos e cansativos - talvez ninguém tivesse conseguido terminar de ler um email de sua nova safra. E, cada dia que passava, lá iam mais mensagens pela rede - sem resposta. Os amigos dele que recebiam mensagens não respondiam por sacanagem mesmo. Seus familiares, ao ver emails dele, já deletavam na hora - não tinham saco de ver notícias da unha encravada dele. As pessoas famosas, ou pelo menos em sua maioria, deletavam seus emails juntamente com todos os outros de seus fãs.

O foda é que pessoas assim, perturbadas por fatos da realidade, nunca conseguem se manter completamente sãs. Ele, que havia guardado cada email enviado desde a compra do computador, estava economizando para comprar um gravador de cds - seu HD já não suportava mais. E, proporcionalmente, apareciam em sua parede mais e mais folhas de sulfite com listas gigantes de nomes. Riscados, claro, para que cada vez que ele desviasse o olhar de sua tela, olhasse para o produto de sua revolta. Quando isso ocorria, ouvia-se um rosnado, e ele prontamente voltava a digitar compulsivamente.

Um dia, por incrível que pareça, a caixa de entrada alertou uma mensagem. Seus olhos brilhavam no escuro de seu quarto. Ele, agora com 21 anos, recem saído da casa da mãe, parecia ter conseguido o primeiro fruto de sua independência, já que seu quarto-e-sala era feio e fedido, estava desempregado, só gostava de filmes 'mela-cueca' alternativos da América do Sul e ouvia apenas, mas APENAS, pagode. Clicou, sorrindo para o infinito, na caixa de entrada e selecionou a recem-chegada mensagem. Era uma resposta automática, computadorizada. O momento foi de tanta euforia que ele nem reparou no fato da mensagem não ter sido enviada por um humano, e sim por uma máquina. Mas, era uma máquina programada por um humano, tava valendo. Fodam-se os detalhes. A mensagem era algo tão rude e drástico como 'Pegamos teu email, se tivermos saco vamos ler', mas era. Havia, naquele dia, acabado o ritual que havia durado cerca de 6 meses, o que resulta em uma resposta para 2700 mensagens enviadas, numa média de 15 mensagens enviadas por dia.

Passaram 2, 3 dias, uma semana. Ele, relendo aquela mensagem cerca de 20 vezes por dia, acabou por reparar que aquilo não era uma mensagem real. Acabou se revoltando e, no mesmo ritmo em que escrevia os emails anteriormente, escreveu uma resposta muito mal-educada àqueles que haviam lhe enviado a resposta automática. Composta basicamente apenas de desaforos, a mensagem pesava 50kb de texto. Nela, comentários sobre o quão superficial é uma relação social pela internet, sua história na internet e milhares de outros textos que, no final, não faziam mais sentido nenhum. E enviou, era um desabafo, uma revanche. Ainda queria ser reconhecido por alguém. E, com isso, recomeçou então a rotina que havia cultuado por 6 meses. Agora, numa base de 30 mensagens por dia, esperava receber uma mensagem em 'apenas' 3 meses, seguindo a proporção anterior. Mal saberia ele que a mensagem ficaria barrada no firewall da empresa que lhe enviou o email e nunca foi lida, por ser grande demais.

A surpresa foi tamanha quando ele viu que, apenas uma semana depois, havia recebido outra mensagem. Arregalou os olhos e clicou na mensagem. Era Spam. Dizem que, naquele momento, sua cara ficou vermelho-sangue. No final da mensagem, um comentário parecia ser sua nova válvula de escape : 'Caso deseja ser removido, responda com o assunto RETIRAR'. No mesmo momento, criou uma nova mensagem. Email colocado, assunto de acordo com o pedido, texto gigante. Comentários sobre como aquele spam encaixava perfeitamente no orificio anal da vó daquele que havia enviado a mensagem e outros assuntos são dispensáveis. Só se sabe que, no entanto, aquela resposta deu origem a quase 20 mensagens diárias na caixa de mensagens dele - todos SPAMs, claro, originados da resposta que ele havia concedido ao 'espertinho'.

A partir disso, criou uma guerra psicológica contra si. Em princípio, ele estava recebendo emails de uma pessoa que sabia que ele estava do outro lado, mas que cagava e andava pra ele. Deveria estar feliz, mas não estava. Queria simplesmente um oi de alguém. Um reconhecimento. Não sabia mais o que fazer. Acabou criando regras na sua cabeça que, para cada spam que chegava, ele devia enviar 2 mensagens para alguém - não importa quem. E a rotina continuava, com o número de Spams aumentando e seus dedos calejando, cada vez mais sem motivo. Pensou seriamente em mudar de email, já que ninguém o respondia mesmo, mas acabou colocando na cabeça que o seu email ainda havia de ser utilizado por alguém. Era orgulhoso demais para mudar algo do que já havia em sua cabeça.

Até que então veio a idéia - a revolução. A revolução de todos aqueles que mandavam emails e não recebiam respostas. Era uma espécie de batata quente - você tem que passar antes que ela exploda na sua mão. Dedicou alguns dias à pesquisa de anatomias de vírus, se já havia algo dessa maneira, e acabou por descobrir que ele estava a mercê de uma mudança radical - mesmo. Parou de enviar emails por um tempo, pesquisou linguagens e criou vírus. Editou, digitou, programou e o cacete. Só não testou porque provavelmente ninguém lhe avisaria do resultado - e, claro, não haveria como testar, então tudo deveria ser perfeito da primeira vez. Em um mês, projetou, construiu e terminou o HotPotato. Sua primeira vítima, claro, seria o cara que lotava sua caixa postal de lixo - e não havia mais a necessidade de nenhuma outra vítima. A fórmula do vírus era um tanto quanto simples - um vírus dormente que deveria ser respondido em 3 dias ou então destruiria a HD. Ao mesmo tempo, ao ser recebido pegava o conteúdo de uma mensagem qualquer no computador e a mandava para todos aqueles que estivessem na lista de contatos. Contaminada, é claro. Um projeto tão simplório, mas tão limpo e perfeito na cabeça dele que, por acaso, acabou dando certo. Foi a maior praga da história.

Os spams haviam parado - agora, na sua caixa de entrada, choviam perguntas - que sempre tinham nada a ver com ele. E ele respondia, apenas para se manter afastado do risco de ter sua HD destruída. Os fabricantes de anti-virus penavam para conseguir uma forma de se salvar, pois além da internet ter se tornado mais lenta do que o normal, dificultando a transmissão do antídoto, algo tinha que ser feito em 3 dias ou então os computadores deveriam ser totalmente reconfigurados, deixando o trabalho MUITO complicado. Cerca de 2 meses depois, com a praga quase eliminada (mas no entanto ainda ativa), achou-se o criador. Claro que, com a situação normalizada, não foi nada muito difícil, já que ele clamava ser o salvador daqueles que não tinham as mensagens respondidas. Ele foi julgado e preso por apenas 6 meses, conseguindo um habeas-corpus para voltar a vida normal. Com o sentimento de revanche feita, acabou voltando pra casa feliz e saltitante. No mesmo dia recebeu uma oferta de trabalho, no qual ele trabalha até hoje.

Ele, hoje, responde os emails de um grande portal. 'Responde', claro. Dizem que, quando uma mensagem chega, ele solta uma gargalhada colossal e faz uma careta antes de apertar o 'delete'.

[texto fictício]

5:44 PM.

 

 

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