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e meio.

quinta-feira, outubro 04, 2001

A pior viagem do mundo

- 43 dias já haviam se passados do início daquela expedição. Eles, agora apenas em 5 pessoas chegavam cada vez mais próximos de seus objetivos que, mesmo atrapalhado pelos fatores externos, estava próximo. Aqueles homens estavam próximo de uma superação própria, estava próximo de um dos milhões de limites humanos. Andavam pelo gelo, e não teriam nem a chance de ver esta fazer 'tchuf-tchuf' entre seus dedos devido à temperatura. Pra dizer a verdade, naquela hora a amputação de seus pés era veemente. Seus dedos também não davam muitos sinais de vida, mas a conquista do Polo Sul ainda era algo que deveria ser alcançado. Eles tinham um objetivo na vida. Objetivo que, agora cada vez mais, deveria ser honrado após perderem Patrick, que não aguentou.
- 44 dias passados. No horizonte, nada mais do que 'merda branca', a como eles se referiam ao local onde estavam. Caía merda, eles andavam em merda. Era a merda, literalmente. Mas, ainda obstinados eles seguiam. Com fome, frio... eles ainda possuiam um objetivos. Talvez fosse estúpido continuar, talvez eles precisassem disso. Aquilo era, na época, o limite da vida humana. Não satisfeitos, provando a vontade do homem de querer se superar, eles continuavam. Precisavam ser mais do que todos. Foi então que, finalmente, o polo sul foi alcançado. O objetivo concluído, mas ninguém esboçava nenhuma reação positiva. Nenhum sorriso foi visto, nenhuma alegria visível.
- A bandeira da Noruega, ali colocada, ecoou profundamente no corpo daqueles que, na busca dos objetivos das próprias vidas, foram derrotados. Por um mês, aproximadamente, aquilo era algo que nenhum deles poderia esperar. Em silêncio, eles entreolharam-se. A pálida face de todos cruzavam-se em uma nevasca de desilusões. Fome e frio no vértice do mundo. O que eles mais poderiam desejar, naquela hora, eram o colo de suas mães e uma cumbuca de miojo. Lembravam-se, então, de todas as coisas que já haviam passados. Haviam reparado que o que eles faziam todo dia já era uma superação própria; não havia a necessidade de uma prova para si mesmos. Porém, o orgulho havia dominado a alma de cada um, e o primeiro reflexo foi o do jovem Patrick, que ainda tinha muito o que viver. Talvez fosse o destino deles, talvez eles mudaram a ordem natural das coisas. Mas, uma coisa agora haviam aprendidos - talvez nunca mais voltassem para casa. A bandeira da Noruega ecoava cada vez mais dentro deles, e isso apenas tirava-lhes a vontade de continuar e aumentava o 'efeito avestruz', ou seja, o de enfiar a cara na terra e não sair mais.
- Talvez o fato de encontrar a bandeira da Noruega não tivesse mudado muito a reação que eles teriam caso eles fossem os primeiros. O fato de entrar para a história não deveria ser bastante para fazê-los recobrar o status físico, talvez descobrissem que haviam pagado um preço muito alto para entrar na história. Provar a si mesmo que a morte era a melhor saída de aprovação não era uma boa escolha. Mas, ali, os 5 enfileirados e suas desilusões seguiam de volta para casa. Pelo menos tentavam...
- A caminhada continuou até que um deles, o experiente Jonathan, caiu também. Os 4, ao repararem o fato, não sabiam o que fazer. O frio já dominava suas mentes e, pelo fato de todos estarem pensando da mesma forma, acharam melhor deixá-lo lá, junto a aquilo que foi a superação de sua vida. Algo não muito honrável, mas que representava que ele havia chegado no limite. E ali foram, agora apenas 4, em direção à saída do inferno branco. Olhavam para o céu, e aquele azul imenso que tantas vezes lhes passava a idéia da alegria, agora só passava-lhes agonia. Foi, então, quando o capitão parou e sentou. Os 3, já não tão lúcidos, agiram da mesma forma que ele e, em círculo, encaravam-se. O capitão, então, balbuciou suas últimas palavras: "Foi bom enquanto durou, rapazes. Vocês provavelmente são os melhores homens com os quais já trabalhei em toda a minha vida. Mas a minha hora chegou, e por aqui devo ficar. Assim como Patrick e Jonathan, devo manter minhas incertezas e agonias por aqui, por não saber o que realmente era viver. Vocês devem continuar seus caminhos, e não lembrem-se deste velho que um dia levou-os à pior viagem do mundo. Em paz, deixo-lhes." e, sua face caiu, mais empalidecida do que nunca.
- Os 3 que ali restavam pareciam querer morrer juntos com seu mestre. Cada vez menos possuiam forças, não queriam continuar. Por ali ficaram por uns 15 minutos, quando um destes levantou. Reparou que aqueles outros dois, apesar de ainda estarem vivos, queriam ficar por ali. Preferiam não tentar, e gastar seus últimos minutos de vida pensando em "como-teria-sido", caso não houvesse aquilo. Então, o que se levantou começou a andar e, em caminho ao nada, continuou. Qual foi sua surpresa a, 1km a frente, reparar que para trás tinha ficado toda aquela expedição que, em uma primeira idéia que havia tido era a mais forte de todas. E, para concluir a situação, que o navio estava a 100m de onde ele atualmente estava. Mas, por mais que quisesse se salvar, não poderia. Ele estava preso ali, por mais que sua perseverança o quisesse tirar.daquele monte de merda branca. E, ali, ao lado do navio, sentou-se e chorou.

[texto fictício]
Inspiração em 'A Pior Viagem do Mundo', o relato de um dos sobreviventes à expedição inglesa ao Polo Sul em 1910, relatado em um diário em 1920 e lançado ano passado no Brasil.

9:27 PM.

 

 

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