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e meio.

segunda-feira, setembro 10, 2001

[Tarde Demais - by BillySky]

---- Quando eu ainda era um pequeno garotinho, eu caminhava pela Praça dos Sapos com o meu pogobol. Pulando pra lá e pra cá com aquele brinquedinho roxo e laranja, pra lá e pra cá... mesmo que o tamanho da minha cabeça geralmente me desequilibrasse sempre, causando sempre alguns estragos faciais. Mas, o que significava, eu era feliz com minha camisa xadrez e meus suspensórios? Domingo à tarde era sempre uma diversão. E, passava a tarde, e chegava a melhor hora, ou seja, Mamãe e Papai estavam me esperando para comer os costumeiros Churros de Doce de Leite com um copo de groselha, para finalizar aquela santa rotina dominical. Afinal, eramos uma família. No entanto, num desses domingos algo realmente mudou os caminhos traçados pelo destino. Afinal, eu era um pequeno pirralho com menos de 10 anos mas eu era um ser vivo. E, como de costume, humanos erram e, naquele domingo, meu copo de groselha voou ao chão. No choro, não vinha a tristeza mas sim a visão de um senhor, de idade, que se aproximava. Ele comentava 'pare de chorar, garoto. podia ser pior' e eu, na inocência da minha idade, olhei para ele e vi algo mais do que um senhor pedindo para eu parar. Uma pessoa com fisionomia oriental, porém já bem desgastada. Naquela época, ele surgiu mais do que alguém que queria evitar o meu choro com um novo copo de groselha, ele surgiu como uma pessoa que, mesmo naquela idade 'idiota', poderia me contar histórias e mais histórias. 'Sabe, eu já tive uma netinha. Do seu tamanho, ela era. Muito bonitinha, eu costumava vir passear com ela por aqui'. 'Mas o que aconteceu com ela?'; 'Ela cresceu, meu jovem. Apenas isso'. Claro que, perante as consequências, eu não queria crescer. Afinal, se a salvação para o choro de uma criança é alguém com piedade, qual é a salvação para o choro de um senhor?
---- Claro que esse tipo de conversa não foi explícito, mas eram coisas que já rolavam pela minha cabeça. Sr. Tanaka sempre foi alguém pelo qual eu tive respeito, desde aquele copo de groselha. Afinal, ele procurava em mim algo que ele já teve e perdeu. 'Perdeu' talvez não seja o termo correto, mas ele foi uma das primeiras pessoas que realmente me passou a imagem de que as pessoas se transformam ao crescer, mesmo sem citar uma palavra ao assunto. Ela cresceu, apenas isso. Ele só precisava ver nos olhos de alguém a mesma inocência de alguém que brincava de pogobol no domingo e, ao final deste, comia churros e tomava sua groselha e, assim, voltava feliz para casa como se todo domingo ele realizasse a sua felicidade. E, todo domingo, reparei que ele estava lá. Não apenas para olhar aquela juventude que, sei lá, se ele teve ou não, mas também para pagar uma groselha àqueles que ainda muito tinham para caminhar no futuro. E, todo domingo, no mesmo canto, ele continuava lá. Sozinho, sem nenhuma companheira ou familiar visível. Um dia apenas, talvez, alguém retribuía aquele afeto, mas raras eram as vezes. E, assim, seguiram os 'nossos' domingos.
---- No entanto, eu também cresci. Depois de um certo tempo, parei de frequentar a praça. Não via mais ele e nem mais todas aquelas pessoas que tinha costume de ver, por mais imperceptíveis que elas passassem aos nossos olhos. Afinal, elas faziam parte da nossa pacata rotina. Sempre tive a mesma idéia daquelas pessoas, mas conforme eu lembrava eu sentia mais curiosidade em conhecer a história de Sr. Tanaka. Quem sabe, talvez, pagar aquele copo de groselha que, em um domingo da história, fez uma criança feliz. O bairro ainda era o mesmo, mas o ambiente mudou. A praça, continua lá, mas a rotina não é a mesma. Não temos mais o vendedor de churros, não têm mais groselha. Assim como aquelas meninas que passavam patinando com suas Lu Patinadoras nos braços e aqueles garotos que se divertiam em suas mobiletes e pogobols. E não tinha mais Sr. Tanaka.
---- A vida nem sempre é justa. Ontem à tarde fiquei sabendo que Sr. Tanaka havia falecido na manhã de ontem, vítima de falência múltipla dos órgãos. Infelizmente, a notícia me partiu o coração pois, infelizmente, não pude retribuir aquele favor que, mesmo que ele não lembrasse, mudou a história de alguém que, atualmente, faz uma diferença na sociedade. Não pude pagar aquele copo de groselha, e nem sequer descobrir um pouco mais sobre a vida daquele senhor que, por uma falha na criação dos humanos, apenas queria ver o sorriso do próximo por não ter um próximo a sorrir pra ele. Em seu velório e, posteriormente, em seu enterro, que fiz questão de ir, eu olhei para aquela face e recognizei aquela pessoa que por alguns anos havia vivido apenas na minha memória e, quem sabe, na memória de outras pessoas que tiveram o infortúnio de perderem um copo de groselha mas tiveram a grande felicidade de conhecer Sr. Tanaka. Na pálida face nada mais do que um sorriso. Disfarçado, mas um sorriso. Pois, quaisquer que tenham sido as consequências, ele passou por aqui. Próximo, uma senhora de preto, olhava e chorava. Talvez fosse tarde demais para tomar uma atitude. Tarde demais.

[Texto Fictício]

7:58 PM.

 

 

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